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segunda-feira, 28 de abril de 2014

Um Voo Atribulado por Liliana Novais






A viagem de avião estava a ser diferente de todas as outras que alguma vez tinha feito, para além de ser Verão, era a véspera dos meus anos. Eu já tinha voado antes, mas esta era a primeira vez que ia até ao cockpit e sentar-me perto dos pilotos a observar como eles trabalhavam, ver o que eles viam da frente do avião e tentar sentir o que eles sentiam. Eu sei que isto era um pouco difícil, mas não seria impossível. Eu embarcara em Bordéus, nessa manhã às nove horas, e o avião dirigia-se para o Canal da Mancha. Da minha janela via casas a ficarem cada vez mais pequenas, essas casas passam a vilas, perdendo todos os pormenores que antes eram tão nítidos para mim. Enquanto o avião subia uma pressão impulsionava o meu corpo para baixo até este estabilizar.

Chamaram por mim, finalmente chegara a minha vez. Levantei-me e dirigi-me para o cockpit, logo à entrada à esquerda estava um banco onde me pediram para me sentar e apertar o cinto. Apesar de estarmos no início de Julho, no dia anterior tinha estado mau tempo e o piloto temia que fossemos encontrar turbulência pelo caminho, apesar de não haver qualquer previsão que tal ocorresse, mas nunca se sabe ao certo o que esperar. Estavam três homens sentados lá, o piloto, o co-piloto e o navegado, penso eu. À minha volta só via mostradores, botões e botõezinhos cujo objectivo para a sua existência era-me totalmente desconhecido.

Voávamos por cima do mar do canal e eles começaram a subir o avião, aos poucos o meu horizonte foi-se alterando e deixei de ver o azul do mar passando a ver o do céu. Todos eles estavam muito concentrados no seu trabalho e eu apenas pensava como é que eles sabem para onde vão e o que têm para fazer, nunca revelando o que pensava para que eles não se distraíssem do seu trabalho. Pouco depois desta subida abrupta deixei de ouvir os motores do avião e nesse momento o meu cabelo começou a flutuar e caso eu não estivesse presa no meu banco teria flutuado sem qualquer rumo. O que senti naquele momento foi a verdadeira sensação de liberdade, de estarmos dentro do nosso corpo e de não estarmos. De deixar de estar presa a algo, de sentir o chamado peso da vida. Senti-me livre como nunca mais me hei-de sentir. O meu cabelo continuava a flutuar à minha volta livre e solto. Deixei de estar presa ao solo, à gravidade e senti que seria capaz de tudo. Pensei se seria assim que os pássaros sentiam, o que era disparatado mediante as circunstâncias.

Essa sensação foi de curta duração e aos poucos o meu horizonte inverteu-se. O avião caía em queda livre em direcção ao mar, nesse momento os motores recomeçam a trabalhar e os três que se encontravam no cockpit puxavam pelo avião para o endireitarem, mas ele dava luta não querendo ceder. O chão aproximava-se mais e mais cada vez mais depressa. O meu coração começava a bater descompassadamente, parecia que me ia saltar do peito. A sensação de liberdade deu lugar a um peso enorme, sentia-me mais pesada, colada ao meu lugar sem reacção. E nada podia fazer, estava ali impotente a ver o que se passava e desesperava mais a cada segundo que passava. Pensava endireita-te, endireita-te. O chão estava cada vez mais próximo a uma velocidade ameaçadora. Endireita-te, pensava eu. Apetecia-me gritar, mas contive-me. Por fim lá o avião cedeu e voltou à sua posição original.

Sinto uma mão no meu ombro. Pedem-me para sair pois outra pessoa queria ir para lá e tinha de ir ver como estava a correr a minha experiência antes que começasse outra parábola e me amarrar ao chão do A300 da Agência Espacial Europeia para mais vinte segundos de ausência de gravidade. A sair daquele cockpit pensei em quando admirava aqueles homens, que não se deixam intimidar facilmente e que são capazes de manter o sangue frio quando qualquer um de nós teria sido incapaz de o fazer. E como estar ali sentada era uma experiencia totalmente diferente do ver os esquemas e ler os relatórios de voo ou mesmo de estar na parte de trás do avião.