A viagem de avião
estava a ser diferente de todas as outras que alguma vez tinha feito, para além
de ser Verão, era a véspera dos meus anos. Eu já tinha voado antes, mas esta
era a primeira vez que ia até ao cockpit e sentar-me perto dos pilotos a
observar como eles trabalhavam, ver o que eles viam da frente do avião e tentar
sentir o que eles sentiam. Eu sei que isto era um pouco difícil, mas não seria
impossível. Eu embarcara em Bordéus, nessa manhã às nove horas, e o avião
dirigia-se para o Canal da Mancha. Da minha janela via casas a ficarem cada vez
mais pequenas, essas casas passam a vilas, perdendo todos os pormenores que
antes eram tão nítidos para mim. Enquanto o avião subia uma pressão
impulsionava o meu corpo para baixo até este estabilizar.
Chamaram por mim,
finalmente chegara a minha vez. Levantei-me e dirigi-me para o cockpit, logo à
entrada à esquerda estava um banco onde me pediram para me sentar e apertar o
cinto. Apesar de estarmos no início de Julho, no dia anterior tinha estado mau
tempo e o piloto temia que fossemos encontrar turbulência pelo caminho, apesar
de não haver qualquer previsão que tal ocorresse, mas nunca se sabe ao certo o
que esperar. Estavam três homens sentados lá, o piloto, o co-piloto e o navegado,
penso eu. À minha volta só via mostradores, botões e botõezinhos cujo objectivo
para a sua existência era-me totalmente desconhecido.
Voávamos por cima do
mar do canal e eles começaram a subir o avião, aos poucos o meu horizonte
foi-se alterando e deixei de ver o azul do mar passando a ver o do céu. Todos
eles estavam muito concentrados no seu trabalho e eu apenas pensava como é que
eles sabem para onde vão e o que têm para fazer, nunca revelando o que pensava
para que eles não se distraíssem do seu trabalho. Pouco depois desta subida
abrupta deixei de ouvir os motores do avião e nesse momento o meu cabelo
começou a flutuar e caso eu não estivesse presa no meu banco teria flutuado sem
qualquer rumo. O que senti naquele momento foi a verdadeira sensação de
liberdade, de estarmos dentro do nosso corpo e de não estarmos. De deixar de
estar presa a algo, de sentir o chamado peso da vida. Senti-me livre como nunca
mais me hei-de sentir. O meu cabelo continuava a flutuar à minha volta livre e
solto. Deixei de estar presa ao solo, à gravidade e senti que seria capaz de
tudo. Pensei se seria assim que os pássaros sentiam, o que era disparatado
mediante as circunstâncias.
Essa sensação foi de
curta duração e aos poucos o meu horizonte inverteu-se. O avião caía em queda
livre em direcção ao mar, nesse momento os motores recomeçam a trabalhar e os
três que se encontravam no cockpit puxavam pelo avião para o endireitarem, mas
ele dava luta não querendo ceder. O chão aproximava-se mais e mais cada vez
mais depressa. O meu coração começava a bater descompassadamente, parecia que
me ia saltar do peito. A sensação de liberdade deu lugar a um peso enorme,
sentia-me mais pesada, colada ao meu lugar sem reacção. E nada podia fazer,
estava ali impotente a ver o que se passava e desesperava mais a cada segundo
que passava. Pensava endireita-te, endireita-te. O chão estava cada vez mais
próximo a uma velocidade ameaçadora. Endireita-te, pensava eu. Apetecia-me
gritar, mas contive-me. Por fim lá o avião cedeu e voltou à sua posição
original.
Sinto uma mão no meu
ombro. Pedem-me para sair pois outra pessoa queria ir para lá e tinha de ir ver
como estava a correr a minha experiência antes que começasse outra parábola e
me amarrar ao chão do A300 da Agência Espacial Europeia para mais vinte
segundos de ausência de gravidade. A sair daquele cockpit pensei em quando
admirava aqueles homens, que não se deixam intimidar facilmente e que são
capazes de manter o sangue frio quando qualquer um de nós teria sido incapaz de
o fazer. E como estar ali sentada era uma experiencia totalmente diferente do
ver os esquemas e ler os relatórios de voo ou mesmo de estar na parte de trás
do avião.
Olá,
ResponderEliminarGostei de ler o conto, tens sorte de não ser muito extenso lol e ficas-me a dever um gelado :P, mas soube claramente a pouco, parece-me curto.
Va a ver se fazes uma continuação que esta viagem foi curta :D
Bjs e bons textos :)
Olá Fiacha,
ResponderEliminarObrigada pelo teu comentário.
Nunca pensei em continuar o conto. Mas é uma ideia interessante,
Boas leituras