Já há algum tempo que não tínhamos aqui no blog uma entrevista a um escritor. Hoje trazemos até vocês a entrevista que o blog fez à autora R. A. Stival. O seu romance de estreia "O Vestido Cor de Pêssego" já foi criticado aqui no blog. Agradeço à Editorial Planeta pela sua disponibilidade para proporcionar esta entrevista.
1. Porque é que decidiu voltar a trabalhar no conto que deu origem a este romance?
Porque havia iniciado um projeto: o de publicar um e-book independente , com os meus contos. Todos esses contos já estavam digitados, apenas o Cor de Pêssego ainda estava da mesma maneira que o deixei, quando o escrevi, em 1997 - escrito a lápis, em folhas de ficheiro escolar. Foi o facto de eu precisar digitá-lo e prepará-lo para a publicação, que me fez voltar a lidar com a história. Confesso que é terrível voltar num texto já escrito para fazer um trabalho desses, pois, em se tratando de mim, acabo sempre por modificar alguma coisa. Como tinha pressa em terminar logo o projeto, prometi a mim mesma que apenas digitaria o texto, sem mexer nele ou retocá-lo…. E foi exatamente o que eu fiz… nas primeiras páginas.
2. Porque é que situou a acção na Revolução Francesa?
A princípio, quando escrevi o conto, foi apenas para situá-lo cronologicamente, sem nenhuma outra intenção. Entretanto, quando comecei a mexer de novo com o texto, comecei a sentir a necessidade de uma base histórica mais sólida. Está bem: era um projeto de um e-book amador, com o meu trabalho de escrita que há anos andava metido na gaveta… entretanto, mesmo assim, tinha que ser algo bem feito… por isso lá fui eu à caça de Napoleão Bonaparte, sua grande armé e o contexto histórico. Resultado disto tudo: cada vez que eu me aprofundava nas questões históricas, sobretudo ligadas à organização do exército, de sua cavalaria, principalmente, seus uniformes, atribuições e tradições… comecei a ficar encantada com tudo o que ia descobrindo e comecei a «conversar» com as personagens. Foi a partir deste momento que elas ganharam corpo e vida, e eu diria, seguramente, vida própria.
3. Como é escrever as cenas mais tórridas do romance e conseguir que elas surjam e sejam naturais.
Confesso que não foi fácil. Minha intenção era justamente esta: escrever algo sensual, elegante, mas que contivesse o tal «fogo», o ardor da paixão.
Desde o começo tentei não pensar que os primeiros que talvez a lessem, pudessem ser pessoas muito próximas a mim, como minha mãe, ou minha irmã, ou aquelas senhorinhas idosas que nos conhecem desde miúdos, dos tempos da catequese… até mesmo algum de meus ex-alunos. Tentei não permitir que esse constrangimento tomasse força. Entretanto, a primeira cena que escrevi estava muito «pasteurizada»: havia ali muitos filtros, muita conversa, por assim dizer.
Foi numa conversa entre amigos, que alguém mencionou o «desespero dos apaixonados e dos amantes» - qualquer coisa do género… e aquilo fez um «clic» em minha cabeça.
Voltei para casa ansiosa. A cena que eu já tinha escrito, passou para a segunda noite de amor do casal e, aproveitando o fato de que, real e honestamente, era necessário dar uma primeira noite digna ao casal apaixonado, consegui pôr de lado todos os meus constrangimentos e preconceitos e coloquei-me no lugar da jovem Adeline Boissinot, que se vê confrontada com o facto de ter aos seus pés, aquela «coisa boa» do Amadeus Barnard, todinho para ela. Então, foi como abrir o menu e pedir a carta de vinhos.
4. Qual foi a sua personagem preferida?
Gosto de todas, sem excepção, pois cada uma delas, para mim, tem algo cativante. Gosto muito do Amadeus Barnard, porque é um homem íntegro, fiel aos seus valores e àquilo em que acredita. Admiro-o por, sendo homem, não ter medo de se mostrar vulnerável… e que dignidade ele demonstra nessas situações! Ele é confiável como pessoa e como líder. Considero Amadeus Barnard gente com G grande. Também gosto muito de Adeline Boissinot: ela é minha homenagem às mulheres que conheço, e às mulheres de um modo geral e explico por que: por sua força, inteligência, valentia, por sua doçura, que ela sabe muito bem como e quando usar. Para mim, é o par perfeito de Amadeus.
5. Qual é a parte do processo criativo que mais gosta? E a que menos gosta?
É sentir a cena em mim, a formar-se, quadro por quadro, as sensações e os sentimentos que advêm desse processo e as ações e os diálogos que jorram simplesmente dentro de mim e «vazam» pelos meus dedos. Há cenas que eu termino de escrever e estou completamente exaurida. E não consigo enxergar o processo de outra maneira: se eu não sentir, se eu não me emocionar – é algo vazio, apenas palavras encadeadas, não vão tocar o coração de ninguém…. Então não tem magia nenhuma.
E o que eu menos gosto? É sentir essa necessidade visceral de escrever, sentir que algo vem vindo, vem surgindo em mim… e não poder dar vazão a isto na hora e no momento certo. Este momento mágico nunca mais retorna – pode-se escrever a cena, e a cena até ficar muito bem escrita… mas aquela magia é rápida, como a passagem de um cometa – um momento único.
6. Este é o seu primeiro romance publicado, como é que foi vê-lo nascer e ter pela primeira vez nas mãos?
O meu «menino», que depois tornou-se «nosso menino», foi muito acarinhado, desde o início, pela Planeta, em todos os detalhes. Tê-lo nas mãos, pela primeira vez, vendo o produto final, com a capa linda que ele tem, foi uma sensação fantástica, emocionante e extremamente gratificante. A prova disto é a minha cara de boba, posando com o livro nas mãos.
7. Como é que organiza a sua vida pessoal e profissional com a vida de escritor?
Trabalho durante o dia e escrevo e pesquiso à noite, aos finais de semana, nos feriados... Entretanto, acho que durante o dia, qualquer tempinho em que meu cérebro não precise estar sendo ocupado com coisas práticas do «mundo real», eu estou «escrevendo» a história. Confesso que já recusei e tenho recusado vários convites, só para ficar em casa a escrever.
8. Como é que nasceu o seu gosto pela escrita?
Acho que sempre gostei de histórias. Meus tios liam para mim, tive a felicidade de viver num lugar que, uma vez por mês, tinha cinema ao ar livre para todos da povoação. Minhas bonecas sempre estavam metidas em aventuras: expedições à Amazónia, aventuras no Saara, coisas do género. Eu e minha irmã inventávamos séries completas, com vários episódios, com nossas bonecas. Sempre gostei muito de ler e adorava fazer composições na escola. Começar a escrever, foi um processo natural.
9. Quais são os seus autores preferidos e que mais a influenciaram?
Já li tanta coisa e tanta gente… e confesso que, mesmo assim, ando desfasada. Entretanto, há sempre aqueles a quem retornamos, porque há autores que simplesmente nos deslumbram. O meu primeiro caso de deslumbramento foi com o livro de Monteiro Lobato, Reinações de Narizinho – as aventuras dos primos Narizinho e Pedrinho no Sítio do Pica-pau Amarelo. Eu tinha 9 anos. Outros me deslumbram e a eles retorno com frequência: Lígia Fagundes Telles, Vinícius de Moraes, Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Eça de Queiroz , Pablo Neruda, Machado de Assis, Cecília Meireles, José de Alencar . Vão comentar: «Nossa! Mas é a lista de autores da escola!» E eu respondo: «Sim, é verdade. Não há como negar: eu me formei, como leitora, no colo dessa gente… e foi na escrita deles que fui moldando a minha.»
10. Quais são os planos para o futuro, mais livros?
Sim, sem dúvida nenhuma! A história do Philipe Rivail e da Aurélia Dos Reis já vem a caminho, depois vem a história do Guilhermo Batistelli e o quarto livro terá uma personagem misteriosa, que já começa a dar seus ares, nesse segundo romance da série Hussardos e Dragões. E, mesmo assim, depois de eu tratar dessa gente toda, garanto que há muito mais.
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